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16 de novembro de 2017

Jorge de Lima - De Poemas Negros


Serra da Barriga

Jorge de Lima

Serra da Barriga!
Barriga de negra-mina!
As outras montanhas se cobrem de neve,
de noiva, de nuvem, de verde!
E tu, de Loanda, de panos-da-costa,
de argolas, de contas, de quilombos!

Serra da Barriga!
Te vejo da casa em que nasci.
Que medo danado de negro fujão!

Serra da Barriga, buchuda, redonda,
de jeito de mama, de anca, de ventre de negra!
Mundaú te lambeu! Mundaú te lambeu!
Cadê teus bumbuns, teus sambas, teus jongos?
Serra da Barriga,
Serra da Barriga, as tuas noites de mandinga,
cheirando a maconha, cheirando a liamba?
Os teus meio-dias: tibum nos peraus!
Tibum nas lagoas!

Pixains que saem secos, cobrindo
sovacos de sucupira,
barrigas de baraúna!
Mundaú te lambeu! Mundaú te lambeu!
De noite: tantãs, curros-curros
e bumbas, batuques e baques!
E bumbas!
E cucas: ô ô!
E bantos: ê ê
Aqui não há cangas, nem troncos, nem banzos!
Aqui é Zumbi!
Barriga da África! Serra da minha terra!
Te vejo bulindo, mexendo, gozando Zumbi!
Depois, minha serra, tu desabando, caindo,
levando nos braços Zumbi!


Ola! Negro 

Jorge de Lima

Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos e a quarta e a quinta

gerações de teu sangue sofredor tentarão apagar tua cor!
E as gerações dessas gerações quando apagarem não apagarão 
de suas almas, a tua alma , negro!
Pai-João, Mãe-Negra, Fulo, Zumbi,
negro-fujão, negro cativo, negro rebelde
negro cabinda, negro congo, negro ioruba,
negro que foste para o algodão de U.S.A
para os canaviais do Brasil,
para o tronco, para o colar de ferro, para a canga
de todos os senhores do mundo;
eu melhor compreendo agora os teus blues
nesta hora triste da raça branca, negro!

Olá, Negro! Olá, Negro!

A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro!
E és tu que a alegras ainda com os teus jazzes,
com os teus sons, com os teus lundus!
Os poetas, os libertadores, os que derramaram
babosas torrentes de falsa piedade
não compreendiam que tu ias rir!
E o teu riso, e a tua virgindade e os teus medos e a tua bondade
mudariam a alma branca cansada de todas as ferocidades!

Olá, Negro!

Pai-João, Mã-Negra, Fulo, Zumbi
que traíste as Sinhás nas Casas Grandes,
que cantaste para o sinhô dormir,
que te revoltaste também contra o Sinhô;
quantos séculos há passado
e quantos sobre a tua noite,
sobre as tuas mandingas, sobre os teus medos, sobre tuas alegrias!

Olá, Negro!

negro que foste para o algodão de U.S.A
para os canaviais do Brasil,
quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer
para que os canaviais possam dar mais doçura à alma humana?

Olá, Negro!

Negro, ó proletário sem perdão,
proletário, bom,
proletário bom!
Blues
Jazzes,
songs,
lundus…
Apanhavas com vontade de cantar,
choravas com vontade de sorrir
com vontade de fazer mandinga para o branco ficar bom,
para o chicote doer menos,
para o dia acabar e negro dormir!
Não basta iluminares hoje as noites dos brancos com teus jazzes
com tuas danças, com tuas gargalhadas!
Olá, Negro! O dia está nascendo!
O dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem vindo?

Olá, Negro!
Olá, Negro!


História

Jorge de Lima

Era princesa.
Um libata a adquiriu por um caco de espelho.
Veio encangada para o litoral,
arrastada pelos comboieiros
Peça muito boa: não faltava um dente
e era mais bonita que qualquer inglesa.
No tombadilho o capitão deflorou-a.
Em nagô elevou a voz para Oxalá.
Pôs-se a coçar-se porque ele não ouviu.
Navio negreiro? não; navio tumbeiro.
Depois foi ferrada com uma âncora nas ancas,
depois foi possuída pelos marinheiros,
depois passou pela alfândega,
depois saiu do Valongo,
entrou no amor do feitor,
apaixonou o Sinhô,
enciumou a Sinhá,
apanhou, apanhou, apanhou.
Fugiu para o mato.
Capitão do campo a levou.
Pegou-se com os orixás:
fez bobó de inhame
para Sinhô comer,
fez aluá para ele beber;
fez mandinga para o Sinhô a amar.
A Sinhá mandou arrebentar-lhe os dentes:
Fute, Cafute, Pé-de-pato, Não-sei-que-diga,
avança na branca e me vinga.
Exu escangalha ela, amofina ela,
amuxila ela que eu não tenho defesa de homem,
sou só uma mulher perdida neste mundão.
Neste mundão.
Louvado seja Oxalá.
Para sempre seja louvado..


(De “Poemas Negros”)