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7 de agosto de 2010

Três poemas de Cicero Melo

A Canção do Afogado

Cicero Melo

Para Antônio Botelho


Filha das fontes,
Dos bosques,
Dos rios sagrados,
Que fazes transposta?

Este é lado das brumas,
Dos pântanos e do Estiges.
Que fazes ao meu lado?

Filha dos bosques,
Dos rios e das fontes,
Que fazes transposta
Ao meu lado?

Este é um lado sem bordas,
Sem sombra e sem corpo,
Um lúdico lago.

Filha dos rios,
Que fazes ao lado
Do afogado?


Os malares e as pálpebras

Cicero Melo


O que é realidade para um fauno?

Nós somos o nada sonhando.

Ergo a última taça

Aos olhos de pedra do suicida.


Estado de conservação

Cicero Melo


Bom.

Cara e lombada com manchas do tempo.

Danos nas bordas e nos bordos.

Corte com manchas:

Anotações à mão amada.

Marca de carimbo na folha de rosto.

Miolos em péssimo estado.

Poema de Antônio Botelho

Soneto da antecedência

Antônio Botelho

Meu pai era coluna enlouquecida
Procurando no céu a morte exata.
Meu pai era gravura apodrecida
Ferida a reabrir na mão do nada.
Meu pai então escuna já partida
A saudade de um mar rondando a praia
Levantava, lembrança retorcida,
Da valsa que na carne encarcerara.
Meu pai, rosa de ferro e da loucura,
Transportava em seu corpo a tenra imagem
Do outro que no peito a fera instiga.
Espada ferindo o corpo e a ternura
Corcel azul correndo pela aragem
Meu pai, vitral na morte, já cintila.

Antônio Botelho é um dos maiores poetas do Brasil, hoje. Detentor de vários prêmios e livros publicados, é o mais jovem daquilo que denomino Geração 80. É pernambucano do Recife. Procurador Federal, reside atualmente em Sergipe. (Cicero Melo)